Destrinchando escolhas

Quando pensamos o processo de Orientação de Carreira, de modo geral a primeira palavra que vem à nossa mente é “escolha”. Escolha de um curso superior, escolha de um percurso profissional, escolha de um novo rumo a seguir no âmbito do trabalho. Escolhas.

Escolha.  Às vezes a defendemos com todo o nosso empenho, outras vezes, abrimos mão dela com muita facilidade. Às vezes lutamos com “unhas e dentes” pelo direito de escolher, outras vezes optamos e preferimos deixar esta tarefa nas mãos de outra pessoa. Às vezes nos precipitamos, em outros momentos adiamos indefinidamente a tão temida escolha. Fato é que o processo de escolha permeia nossas vidas nos mais diferentes âmbitos e das mais variadas formas. Desde as pequeninas e mais simples decisões, às mais grandiosas e complexas, todos nós precisamos fazer muitas escolhas no decorrer de nossa existência.

Mito Esfinge "Decifra-me ou devoro-te" - Imagem de esfinge em cemitério de atenas - Extraído de sxc.hu usuário: Lucretious

Sem uma análise mais dedicada, por vezes, simplificamos demais o processo de escolha: “basta observar as opções e selecionar uma delas”. Outras vezes, nos dedicamos com tanto afinco a questionarmos o que seria escolher e o que a princípio era “tão simples” se torna um “bicho de sete cabeças”.

Considerada uma das mais importantes decisões a se fazer na vida, a necessidade de uma escolha profissional cedo ou tarde se coloca em nosso caminho. E como se já não fosse suficiente a quantidade gigantesca de profissões existentes, há ainda muitos outros fatores que permeiam cada uma delas [mercado de trabalho, retorno financeiro, satisfação e realização profissional, tipo de disciplinas a serem estudadas, etc.], fatores esses que acabam por tornar o que para alguns já é difícil em algo ainda mais assombroso, um verdadeiro e gigantesco monstro.

Na verdade, o processo de escolha pode ser visto como o escalar uma montanha. Embora seja algo exigente, a escalada nos permite visualizar com maior clareza os muitos caminhos, horizontes, paisagens e destinos que se abrem diante dos nossos olhos. Escalar uma montanha implica que tenhamos conhecimento a respeito da mesma, do clima, dos equipamentos necessários para que a subida seja menos árdua e, igualmente importante, conhecimento a respeito de nós mesmos, do nosso preparo físico, emocional, psicológico, teórico e prático para enfrentar essa montanha. Afinal, de nada adianta conhecer a montanha e o clima, saber utilizar todo o equipamento de segurança, mas não ter o preparo pessoal para enfrentar os desafios que podem surgir.

Pirin mountain in Bulgaria - Landscape - Créditos Ivan Hristov - extraído: sxc.hu

Escolher significa reconhecer um caminho que se deseja percorrer no presente para alcançar um objetivo futuro. Para tanto, é imprescindível que tenhamos conhecimento a respeito da realidade, dos muitos caminhos e possibilidades que fazem “nosso coração bater mais forte”; e que nossas escolhas sejam fundamentadas no conhecimento de nós mesmos, do que nos corresponde, do que almejamos, para que assim sejamos capazes de compreender “essas batidas do nosso coração”.

Na atualidade, parte considerável da população tende a relevar a questão da escolha, como algo que pode ser modificado a qualquer instante e que por isso mesmo é feito sem o devido cuidado e empenho. Essa visão da escolha como algo descartável se assoma a problemática para reconhecer o que venha a ser de fato o próprio querer e contribui, por fim, para um grande e grave problema: a dificuldade de se empenhar, mesmo no próprio querer.  Afinal, por que nos dedicarmos a uma causa que não sabemos se nos pertence de fato?  Ou por que nos empenharmos com algo que pode mudar a qualquer instante?

O teólogo italiano Luigi Giussani nos aponta que essa falta de empenho, essa falta de compromisso com a realidade e com a própria vida acontece sempre que nos colocamos a caminhar sem uma direção precisa. Isso porque a nossa “sensibilidade de uma consciência viva” compreende o “vagar ao léu” como perda de tempo. É preciso um objetivo, uma visão minimamente clara do caminho a seguir, é preciso saber para onde caminhamos, onde queremos chegar, para que o caminho em si faça sentido. Pois se não temos claro o alvo a ser alcançado, desistimos diante da primeira turbulência, cansamos de caminhar, não temos motivo para continuar a jornada.

Muitos são ainda os que compreendem o escolher como ter que abrir mão de uma série de outras coisas, como deixar de provar uma gama de caminhos e possibilidades. Essa visão da escolha como aquilo que priva, que tira possibilidades, torna o processo de escolha um verdadeiro fardo.

Escolher um percurso, não implica necessariamente em abrir mão de todos os demais caminhos, mas aponta para o primeiro de muitos passos que são importantes para chegar ao destino almejado. Assim como escalar a montanha, selecionar determinada estrada significa esperar para ver os muitos caminhos que ainda se abrirão ao longo da mesma.

Garden Design Blueprint Sketching - Créditos: Andreas Krappweis - sxc.hu

Existe ainda o grande mito de que a escolha profissional é para vida a toda. Parte considerável da população é educada a pensar a escolha como um processo único, um caminho sem volta. Tomada uma decisão, feita uma escolha, ela é para sempre, não existe um retorno neste caminho.

É importante lembrar que o processo de escolha está intimamente ligado ao amadurecimento pessoal e, que por isso mesmo, é natural e esperado que ao longo do nosso desenvolvimento pessoal modifiquemos, em certa medida, nossos objetivos, gostos e opiniões – mas não aquilo que somos em essência. Mudar não acontece necessariamente porque somos voláteis e inconstantes, mas porque na medida em que amadurecemos passamos a ter maior consciência do que de fato diz respeito a nossa pessoalidade e ao que está mais ligado às expectativas alheias. E, de certo modo, isso é saudável, pois indica uma abertura para rever conceitos e opiniões e compreender que nem tudo é definitivo na escalada da vida.

Felizmente, a beleza da vida está no fato de que ela é inesgotável e sempre é tempo de rever, quantas vezes forem necessárias, o percurso realizado e, se preciso, reconfigurar a rota para chegar ao destino final. O importante é que as escolhas sejam pautadas, fundamentadas, solidificadas no que somos, sempre em relação direta e viva com a realidade.