A Ecologia das Avaliações Neuropsicológica & Psicológica

Embora o tema da preservação ambiental seja muito importante para a Fractal – como você pode conferir AQUI – este post não tem o propósito de misturar alhos com bugalhos. A ecologia do título se refere a outra coisa ;D

A área da saúde exerce um fascínio na mente das pessoas e a prova disso é o número cada vez maior de séries televisivas e programas que mostram como funciona o mundo da saúde, os hospitais, os dilemas do diagnóstico e dos tratamentos. Tudo realmente interessante e com o toque de requinte que a televisão dá.

Porém, a prática, ou seja, a REALIDADE, é bem diferente. Qualquer uma sabe que existe grande insatisfação com as condições reais de saúde e a situação, de fato, não é tão simples e charmosa.

Dr. House - Divulgação

Dr. House (Divulgação)

O custo da saúde em geral é algo que preocupa a todos [Veja reportagem aqui e reportagem 2 aqui]: Estado, profissionais, organizações em geral, empresas de saúde, e, claro, pacientes. Embora seja cotidiano assistir a equipe médica do programa televisivo House proceder a torto e a direito exames de ressonância magnética funcional completa, além de biópsias e etc., fato é que esses exames possuem um custo elevado e naturalmente trazem riscos para a saúde do paciente.

Por isso, no “dia-a-dia da realidade”, há uma predileção por exames que não sejam invasivos e que possuam um custo menor. Um exame de tomografia é muito interessante porque dá uma valiosa leitura do encéfalo, mas em termos de funcionamento de domínios cognitivos, de recursos e limitações cotidianas pode não ajudar muito. A localização de certo prejuízo crânio-encefálico é um sinal preciosíssimo, mas ainda é preciso saber os impactos na cognição, na vida do paciente e dos seus familiares. Isso já é algo que excede a capacidade dos exames de imagem, por exemplo.

Quanto mais amplo um procedimento de análise é, quanto mais fatores diferentes tal procedimento aborda, maior é sua transposição para o ambiente do paciente. Mais recentemente passou-se a falar em mais ecológico este procedimento. Essa idéia de procedimento metodológico ecológico, de um desenvolvimento ecológico nasceu com o psicólogo russo chamado Urie Bronfenbrenner [1917 – 2005] [você pode conhecer um pouco mais do autor e ler uma revisão crítica de um de seus livros aqui e nesse daqui você pode ler um estudo que usa essa abordagem]. São idéias complexas e Bronfenbrenner apresentou uma teoria muito ampla que não teríamos como explanar aqui de maneira digna com poucas palavras. Lembramo-nos dele para honrar o pai da abordagem.

Quanto mais fontes melhor!

Às vezes, quanto mais fontes melhor! (obtido stockvault)

Em suma, o conceito “ecológico” acabou se moldando com o tempo para reforçar a necessidade de que um dado procedimento de investigação pudesse ser observado de maneira mais global e não apenas ser o resultado d’uma análise dentro de condições específicas. Procedimentos mais ecológicos, ou seja, procedimentos mais abrangentes, vieram na tentativa de acessar o ambiente do sujeito e assim ser capaz de examinar suas condições considerando seu tempo e espaço.

Dentro do campo da avaliação em psicologia vê-se maior empregabilidade dos resultados de uma avaliação quanto mais dados são levantados sobre aspectos importantes e variados tais como: funcionamento intelectual, personalidade, recursos familiares, estresse, qualidade de vida e etc. Aqui falamos em uma validade ecológica porque queremos apontar que um determinado procedimento ou análise pode ser capaz de lançar luz a diversos campos que possuem impacto na vida cotidiana do paciente e daqueles que entram em contato com o mesmo.

Um exemplo ilustrativo seria o caso de uma criança que vem ao consultório com a costumeira queixa de agitação, irritabilidade, briga, dificuldade para permanecer quieto e etc. Todos logo pensam em TDAH e de fato é a hipótese mais provável. Aqui fazer uma ressonância magnética não é o primordial porque haveria pouca empregabilidade de tal exame e sua leitura poderia contribuir pouco para o diagnóstico. O procedimento de avaliação psicológica e neuropsicológica se prova o mais recomendado porque vai avaliar as condições psíquicas da criança, além dos ambientes em que está inserida [familiar, escolar, recreativos, etc], as condições dos pais, verificar o histórico, além de outras atividades possíveis.

School children

Crianças da escola (obtido de stockvault)

Vemos rapidamente que o procedimento de avaliação psicológica e neuropsicológica nesse caso pode alcançar um conjunto de fatores muito mais amplo e que de fato pode ajudar a entender esse comportamento da criança. Além disso, ao considerar tal variedade, existe a possibilidade de orientar os diferentes contextos sobre como lidar com essa criança, quais são suas reais dificuldades e seus recursos, o que é ainda mais importante. Vamos lembrar que pode ser TDAH, mas pode ser que não seja, daí mais uma vez a ecologia dessa avaliação.

Mas mesmo num caso em que o exame de imagem é requerido, em que é indispensável para o diagnóstico médico e o início do tratamento – coisas que não podem ser deixadas de lado! –, ainda aqui faltam outras orientações. Não adianta enviar o exame de imagem para a professora esperando que ela leia e tire as conclusões ou mesmo para a cuidadora do idoso com a esperança de que ela entenda a extensão do prejuízo ocasionado pelo Acidente Vascular Cerebral [AVC]. Ou seja, uma maior ecologia de um procedimento, aqui no caso da avaliação psicológica e neuropsicológica, acaba por atender a tais condições porque possui maior aplicabilidade e pode auxiliar outros tantos profissionais sobre como proceder e o que esperar do paciente.

A ecologia aqui se refere a sua expansão para o contexto diário. De fato, as avaliações neuropsicológicas e psicológicas possuem tal validade ecológica. Mas não servem unicamente para orientar sobre a vida diária, servem também para os próprios profissionais da saúde ter maiores informações para o próprio diagnóstico, tratamento e prognóstico.

Avaliação & Ecologia

Ecologia na Avaliação (obtido: sxc.hu)

Em todo o caso, é o trabalho atento e dedicado que permite utilizar a aplicabilidade da avaliação neuropsicológica e psicológica de maneira razoável e ecológica. Na verdade, a dedicação durante todo e qualquer processo diagnóstico constitui um dos fatores que ampliam a ecologia do procedimento. Um profissional bem orientado e preocupado com todos os envolvidos mesmo que utilize um número menor de exames, acaba, por conta própria, aumentando a ecologia de seu diagnóstico e tratamento. O fato de uma prática possuir maior validade ecológica não significa que automaticamente ela será posta em prática, pois isso depende do profissional. O bom uso dos recursos depende dos valores que guiam o manejo das informações e da leitura dos resultados. Aqui começamos a distinguir práticas semelhantes, vemos como é possível extrapolar os resultados para o emergir do relacionamento.

Tudo isso para nós é pedra fundamental. Ponto de partida e linha de chegada.