Hora de falar sobre TDAH

NOTA: Para não carregar o texto – e como essa não é uma rigorosa publicação científica – deixamos as referências ao final do post, para consulta. Por favor, veja as referências e em caso de dúvidas, escreva para nós =)

TDAH existe? Ou é uma invenção, uma “medicalização” da vida? Volta e meia essas perguntas aparecem na mídia, nos corredores da escola, em palestras aqui e acolá, e em discussões de categorias profissionais. No meio desse monte de perguntas e dúvidas estão meninos, meninas, jovens, adultos que precisam de algum tipo de atendimento e atenção, mas que ficam perdidos sem bem saber como podem ter ajuda. Essa parcela de pessoas que precisa de ajuda especificamente para TDAH é delimitada. Muitos estudos têm demonstrado que na idade escolar a parcela de crianças com TDAH fica em geral entre 3 – 6%. E o TDAH não é uma condição exclusiva da infância, ele persiste pela vida adulta. Mesmo nos estudos que encontram índices muito largos [que chegam a 26% em algumas populações], o que vemos claramente é a necessidade de cuidado na hora do diagnóstico.

Relevância começa na sala de aula (Foto obtida em sxc.hu)

Se bem ouvirmos as pessoas e suas queixas em relação ao TDAH e qualquer outro quadro que se torne “popular” – por mais estranho que isso possa ser – é que essas pessoas não trazem as questões “ideológicas” se aquilo seria uma “patologização” da vida, se seria “uma tentativa da indústria farmacêutica”. Em geral, as queixas são bem mais simples e coerentes com as demandas das pessoas, as queixas são: “o profissional ficou só 5 minutos com meu filho”; “ele foi logo dando remédio”; “ele disse que não tinha muito que fazer”; “ele nem pediu nenhum exame” e assim por diante. Ou seja, as pessoas não trazem complexas questões para rejeitar ou mostrar o desagrado com o diagnóstico, elas estão em desacordo com o atendimento que recebem/receberam.

As pessoas querem ter certeza de que foram observadas com cuidado. Critica-se a postura e não possíveis ideologias que estejam por trás, por mais que elas existam e devam ser discutidas sim, mas em outros cenários!

Essa crítica em relação ao atendimento é genuína. Porque é somente com atenção e cuidado básico que se pode reduzir a margem de erro em um diagnóstico. Muitas vezes ficar falando se a condição é X ou Y nem faz diferença, o mais relevante é o que pode ajudar, qual é a terapêutica – isso é o chamado diagnóstico funcional, dizer o que está preservado e o que precisa ser trabalhado.

A necessidade de dar voz e ouvir quem diretamente está envolvido (Imagem obtida em sxc.hu)

O problema é quando as queixas sobre o atendimento são transformadas em discursos ideológicos, que podem servir para qualquer propósito, infelizmente. No meio disso tudo, estão lá os pacientes que efetivamente possuem TDAH, fora outros tantos quadros que além do quadro principal, aumentam o risco de ter outras patologias – isso é chamado comorbidade, uma patologia que acontece associada a outra.

Nenhuma doença é, a rigor, ruim. Tudo depende essencialmente do tratamento possível. Se a terapêutica é bem aplicada, o que poderia ser malvisto pode se tornar tolerável em certa medida. Assim como o TDAH. Dizer que o diagnóstico de TDAH é ruim, por si só, não é justo! Assim como tentar fazer com que o TDAH não seja levado a sério, como se fosse uma expressão da vida moderna. É fato que nossa tecnologia atual requer mais da nossa atenção, mas daí dizer que é isso que “causa” o TDAH é uma demonstração de desconhecimento. O assunto é controverso, mas não podemos, como se diz popularmente, “jogar a água suja com o bebê junto”. No meio da discussão sobre o TDAH e as terapêuticas adequadas, estão as pessoas que possuem efetivamente o quadro, que necessitam de atendimento psicoterápico, farmacológico além do apoio social e assim por diante.

Muita gente não sabe mas pacientes com TDAH E que NÃO recebem a terapêutica apropriada ficam mais dispostos a se envolver futuramente em práticas de abuso de substâncias, como álcool, fumo, em atividades sexuais de risco, com maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis, além de outras tantas atividades ilícitas. Além de apresentarem um conjunto grande de dificuldades escolares, comportamentais e no trabalho. Ou seja, quando esses pacientes são privados de ter um tratamento adequado, incluindo o medicamentoso, aumentam-se as possibilidades de que tenham menor sucesso na vida e naturalmente tenham maior sofrimento para se ajustarem às demandas naturais da convivência social.

É preciso estar alerta, quem desconhece toda realidade não entende também a gravidade do que está envolvido (Imagem obtida em sxc.hu)

Portanto, TDAH existe sim, é uma condição que vem sendo estudada há muito tempo e pessoas com este quadro precisam de ajuda especializada, o que não significa que seja ruim ou maléfico de forma alguma! O modo como lidamos com uma determinada condição afeta sua expressão e sua gravidade, mas daí a dizer que o TDAH é uma “doença social” é um passo enorme e sem fundamento. O TDAH afeta classes sociais diferentes e estratos diferentes, o que modifica é a maneira de expressão e as compensações que são disponibilizadas.

Os debates são sempre bem vindos, sobremaneira porque nos fazem refletir sobre nossas práticas, sobre os impactos de nossas ações e decisões. Manter a linha firme da ética é uma postura imprescindível para o amadurecimento de questões relevantes, como são as temáticas da saúde. E é justamente a ética que nos pede para termos a consciência de que precisamos estar atentos ao bem de todos, com efeito, devemos ser cautelosos tanto na confirmação do diagnóstico/tratamento quanto na descontinuação das intervenções. Devemos ser cautelosos e atentos, cuidadosos para com as pessoas e suas necessidades. O que não podemos é partir de uma ideia prévia de que algo existe ou não existe, e fazer essa idéia ser nossa única chave de leitura dos fenômenos clínicos.

A clínica ocorre somente diante do paciente e é ele quem deve orientar nossa leitura e não aquilo que imaginamos anteriormente. Somente assim podemos ser éticos, somente assim podemos continuamente nos surpreender com aquilo que cada pessoa carrega consigo.

 

REFERÊNCIAS:
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